"caiu? eu bem o vi à minha frente, mas nisso não reparei... é que eu ia a andar devagarinho a olhar para o chão. ainda por cima perdeu o autocarro..."
Presunção. Inveja. Ele ia devagar, a olhar para o chão, incapaz de controlar que este fosse escorregadio. Aquele nem sequer era o seu autocarro... Apenas se quis livrar da mancha, nas calças, por isso acedeu ao impulso e pediu o lenço - antes não o tivesse feito. Junção humana no cubículo da espera. Os olhos pregados no tecido.
"uma vez, ia com umas sacas, caí naquelas escadas, sim, aquelas ali, e só fui parar lá em baixo... fiquei cá com umas dores. é o que faz a pressa!"
Foi então que ele se lançou ao pescoço da velha. Encostou-a ao vidro da publicidade e ignorando as preces dos futuros companheiros de viagem expeliu-lhe ao ouvido: " eu ia devagar. não me magoei, bati com o joelho na lama, caramba! será que vou ter que me desculpar por não corresponder às vossas expectativas? será que a culpa é minha por ser dotado de jovialidade suficiente que me permitisse correr caso quisesse e afastar-me da chuva? e duma vez, parem de olhar para as minhas calças!" Desviou os olhos para a estrada, o seu autocarro tinha acabado de passar.